‘Sociologia da ação coletiva’, lançamento da EdUFSC, tem a proposta de ser um livro didático

10/07/2018 17:30

Agripa Faria Alexandre, autor do livro. Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC.

Sociologia da ação coletiva“, novo lançamento da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC) tem a proposta de ser um livro didático. “Escrevi para estudantes de graduação e pós-graduação. Ele não tem um enfoque inédito, embora haja uma tentativa de se fazer um balanço reflexivo sobre o tema. Mas não pretendo, com esse material, trazer algo de novo. É um livro didático, para alcançar o público que está se apropriando dessa abordagem”, explica Agripa Faria Alexandre, autor da obra e professor visitante do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH/UFSC).

Agripa, que também é docente do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), passou a se dedicar a esse campo de estudos durante seu pós-doutorado, realizado entre 2013 e 2014, na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), na França. “Lá existia uma discussão muito ancorada nessa área. Foi o lugar que primeiro fez essa discussão de forma sistemática no mundo Ocidental.” Quando retornou ao Brasil, o professor fez uma revisão do material existente no país e percebeu que não havia ainda um livro que fizesse um tratamento sistemático dos estudos sobre ação coletiva. “Na América Latina, o termo ‘ação coletiva’ está muito mais associado a uma vertente específica da ação coletiva, que é chamada ‘teoria da mobilização de recursos’. E no Brasil, em geral, em função do conteúdo ideológico de esquerda pelo qual se trata a ação coletiva, a abordagem é muito mais voltada à sociologia de movimentos sociais. Já na França havia uma diversidade muito maior de enfoques.”

No livro, são apresentadas essas vertentes diversificadas e atualizadas da temática. “Procurei construir quadros comparativos e interpretações dos chamados fundadores desse enfoque. Em geral, esses fundadores estão divididos entre os países ocidentais, inclusive com muita contribuição da América Latina.” A ideia de “ação coletiva”, segundo Agripa, não se refere a qualquer tipo de ação coletiva: “É uma ação com conteúdo revolucionário no uso da palavra e nos comportamentos. A ação coletiva é entendida, basicamente, como ações e manifestações que procuram transformar a sociedade.” Dentre essas práticas de contestação, algumas já se consolidaram como práticas usuais, principalmente nos países europeus. “Um exemplo é o movimento feminista, que desde a década de 1950 luta pelo direito ao aborto. Essa é uma reivindicação que tem que ser frequentemente renovada, sobretudo em função dos movimentos de direita que tentam deslegitimá-la. Todos os movimentos passam por esses desafios de afirmação e reafirmação.”

Para além das manifestações práticas, existe um enfoque de estudos que considera a ação coletiva como uma categoria de pensamento: “Ela retém um conteúdo reflexivo e simbólico de organização do pensamento. Consiste em pensar a sociedade a partir de lutas que se materializam em práticas simbólicas cotidianas.” Segundo Agripa, a ação coletiva também pode influenciar as práticas individuais: “Mas devemos considerar que não existe propriamente uma ‘prática individual’, sociologicamente falando. Somos seres sociais, seres sempre em relação. Quando usamos a palavra ‘individual’, na Sociologia, temos o cuidado de atentar que uma prática individual é sempre reflexo de um aprendizado coletivo. A ação coletiva pode ser entendida também como um aprendizado coletivo, que se dá através das mais diversas experiências: literatura, mídia, viagem etc.”

Agripa Faria Alexandre, autor do livro. Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC.

Agripa explica que há um conteúdo de memória social que atravessa a prática coletiva. Muitas das lutas que crescem e se fortalecem no Brasil hoje iniciaram após o retorno de ativistas e intelectuais que tiveram que sair do país por causa do regime militar. “Quando essas pessoas voltam, trazem práticas consideradas revolucionárias e fazem uma reoxigenação da luta da esquerda. Fundadores de partidos políticos de esquerda com uma forte orientação trabalhista trouxeram para dentro desses partidos outras temáticas, como o feminismo e o ambientalismo. Se pensarmos a partir de uma perspectiva histórica, as práticas de ação coletiva são herdeiras de reflexões de algum momento específico. Talvez o ambientalismo não estaria tão fortemente presente hoje se não fosse a influência dessas pessoas. Há países no Oriente, por exemplo, que sequer têm essas experiências como referências. Algumas práticas ambientais e feministas ainda inexistem nesses lugares. E quando existem, estão relacionadas à globalização, às facilidades proporcionadas pelo ciberativismo, que são difundidas largamente e por vezes conseguem chegar a regimes mais fechados.”

Diferentes abordagens

Após apresentar as “diferentes acepções epistemológicas de ação coletiva” – título do Capítulo 1 –, o livro expõe a abordagem da Escola de Chicago, chamada de “interacionismo simbólico”: “Ela diverge do entendimento considerado, no Ocidente, ‘mais crítico’, oriundo de uma preocupação marxista de mudança social. Para essa corrente tradicional revolucionária marxista, o pressuposto epistemológico básico é o de que a sociedade está organizada em classes sociais. Para os interacionistas simbólicos, isso não é levado em conta. Então o que é a sociedade para eles? A sociedade nada mais é do que a ação coletiva. Ou seja: como as pessoas pensam e agem é o que faz mudar a sociedade, independentemente de suas estruturas sociais. A ação direta, a ação coletiva, ultrapassa o entendimento de classes, lançando um novo olhar para a sociedade.”

Os interacionistas simbólicos, segundo Agripa, também levam em consideração o papel de “boatos” e “rumores” nas sociedades. “Se observarmos como hoje a política é configurada e o peso que uma notícia falsa pode ter, percebemos a importância de apreciarmos esse enfoque do interacionismo simbólico. Enquanto outras abordagens procuram identificar as formas de opressão na sociedade e lutar contra elas, o interacionismo simbólico se volta ao detalhe da prática política, que geralmente é pouco considerado.”

A sociologia clássica procurou definir a cisão entre opressores e oprimidos; as formas de opressão e de disciplinamento; o lugar do sujeito na história. Já as lutas por emancipação da sociedade, segundo Agripa, ficaram a cargo da sociologia da ação coletiva. Nesse sentido, o livro tem o intuito de discutir como as sociedades se alteram e quais são os métodos de observação das mudanças sociais. “Em geral, são os teóricos da sociologia da ação coletiva que se propõem a estudar a trajetória do movimento dos trabalhadores sem terra do Brasil, o movimento dos trabalhadores urbanos sem teto; os movimentos feministas, os movimentos de libertação animal etc.”

Ciberativismo

Um dos capítulos do livro é dedicado ao ciberativismo. “Talvez essa seja a reflexão mais inovadora que consegui colocar no livro. O impacto da comunicação hoje, e principalmente da comunicação via robô, nos coloca diante de um desafio. As ações nas redes sociais têm um peso cada vez maior. O espaço virtual se tornou um campo de observação e de estudo muito rico. Encontramos nas redes sociais uma pedagogia política libertadora; discursos contra-hegemônicos; discursos contra as opressões. Esses discursos todos primam por uma linguagem de demonstração pública. E esse é um conceito importante na análise da ação coletiva.” A ação coletiva enquanto linguagem, segundo Agripa, não é racional, lógica, pois deve ter uma ancoragem na prática social. O que se busca nesse tipo de comunicação é, em geral, algo que sensibilize o público: “Nessas manifestações públicas, a razão entra pelo sentimento, com imagens que surpreendem, que impactam. O processo de esclarecimento passa primeiro pela emoção, pelo afeto, para depois se tornar racional, convincente.

Uma outra forma de entender a ação coletiva nas redes sociais, o ciberativismo, é como uma forma de comunicação alternativa. “De forma geral, é a abertura do uso da palavra, se valendo das facilidades das novas tecnologias. Pelo barateamento do acesso, todos hoje têm um celular com câmara e podem gravar e compartilhar um vídeo-denúncia com o potencial de libertação, de esclarecimento. E isso tem a possibilidade de correr o mundo, muito mais do que as críticas tradicionais ao discurso hegemônico. A Mídia Ninja, por exemplo, como plataforma aberta para postagens de conteúdo crítico e denúncias, traz muito potencial à emancipação política.

Essas novas ferramentas de participação, segundo Agripa, estão criando novas formas de legitimação da prática política: “O ciberativismo amplifica a comunicação de muitos para muitos. Diferente da mídia hegemônica, que é de um para muitos. Nas redes sociais existe uma diversidade enorme de pontos de vista. Alguns consideram isso prejudicial, porque perde-se o foco das lutas tradicionais. Mas eu sou mais tendente a ver a riqueza dessas manifestações que têm a capacidade de quebrar as hierarquias. Esse fenômeno da comunicação virtual gera um aprendizado, amplifica nosso olhar, cria um horizonte reflexivo.

Desobediência civil

No último capítulo do livro, com o título “ABC da desobediência civil”, Agripa apresenta mais de 100 modalidades de desobediência civil: “É um manual para a ação, um manual revolucionário. Eu me baseio nos estudos do pesquisador norte-americano Gene Sharp, que durante décadas procurou mostrar o potencial da desobediência civil. As obras que produziu foram traduzidas para mais de 100 idiomas e estão disponíveis online para acesso livre. O mais conhecido deles, ‘Da ditadura à democracia’, é um manual completo de como tirar um ditador do poder.”

No texto, Agripa explica que, “em termos teóricos e conceituais, a desobediência civil significa um conjunto de técnicas de exortação à mudança de atitude perante situações consideradas prejudiciais à vida social. As exortações objetivam converter, não coagir, os oponentes. A desobediência civil também é chamada de política da não violência ativa ou ainda de política da não cooperação. O exemplo clássico de embate não violento foi A marcha do sal (Índia, 1930), promovida por Gandhi com o fim de não cooperar com o governo imperial britânico.”

O lançamento do livro na UFSC está previsto para o início do segundo semestre letivo, em agosto. Agripa já publicou diversas outras obras pela EdUFSC, tais como “Democracia no Brasil: entre experiências de emancipação e golpismo” (2016) e “Metodologia científica e educação” (2014 – 2ª edição). Como seus livros precedentes, o autor destaca que “Sociologia da ação coletiva” não é um trabalho individual, mas sim um trabalho coletivo: “Jamais teria escrito esse livro se não tivesse tido os professores que tive.”

Mais informações na página da EdUFSC.

Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/UFSC