UFSC recebe José Hamilton Ribeiro, o jornalista da voz e estilo únicos

13/08/2018 13:30

José Hamilton Ribeiro chegou à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, com uma bagagem pequena nas mãos e carregando um currículo com mais de 60 anos de profissão. Grandes trabalhos jornalísticos que trazem muita sensibilidade, simplicidade, humildade, ética, respeito, características que tornam este profissional singular em tudo que faz.

Por onde passou foi notado sem se fazer notar. Quando não era reconhecido pela fisionomia, a voz lhe denunciava, trazendo à lembrança as manhãs de domingo em que o Globo Rural transmite suas reportagens sobre a realidade do interior do Brasil.

O profissional de imprensa mais experiente em atividade nos meios de comunicação do Brasil esteve na UFSC para aula inaugural do curso de Jornalismo, nesta sexta-feira, 10 de agosto, no Auditório Henrique Fontes do Centro de Comunicação e Expressão (CCE). Na agenda, relançou uma versão atualizada do seu “Música Caipira – As 270 maiores modas” e a biografia “O jornalista mais premiado do Brasil – a vida e as histórias do repórter José Hamilton Ribeiro”, escrita pelo jornalista Arnon Gomes, de Araçatuba (SP). O evento foi uma promoção conjunta da Agência de Comunicação (Agecom) e do Departamento de Jornalismo, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu).

José Hamilton e Arnon, o reitor Ubaldo Cesar Balthazar, a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo Cárlida Emerim e o diretor da Agecom Artemio Reinaldo de Souza fizeram parte da mesa de discussões.

“Nascido no interior de São Paulo, nosso convidado tem mais de 60 anos de profissão dedicados à prática intensiva de jornalismo. Trabalhou na inovadora revista Realidade, passou pela Editora Abril, pela TV Tupi, fundou a Revista Globo Rural e também integra a equipe de jornalistas do programa de televisão Globo Rural, trazendo experiências muito ricas e interessantes em suas diversas reportagens. Esta experiência profissional lhe rendeu mais de 50 premiações, entre eles sete prêmios Esso, considerado o maior do Jornalismo do nosso país”, introduziu a professora Cárlida.

Para Artêmio, que conhece José Hamilton há 18 anos quando de sua participação de congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), organizado pela Agecom da UFSC, o reencontro “é um privilégio e uma ocasião única para todos, principalmente aos alunos, pois ele é uma escola de jornalismo”.

“O jornalista Arnon Gomes é, hoje em dia, a pessoa que melhor conhece José Hamilton Ribeiro”, mencionou Artemio ao passar a palavra ao autor da biografia. “O personagem dispensa apresentações e, ao longo do tempo, com a notoriedade que ele conquistou vários títulos lhe foram atribuídos”. Arnon exemplificou: os estudantes de Jornalismo da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) o classificaram “o príncipe dos repórteres”; o jornalista Tonico Ferreira, o definiu “a lenda da reportagem”; a Revista Trip, “o mito da imprensa”; o programa Manhattan Connection, “o astro do jornalismo”; e o livro de reportagens sobre Zé Hamilton, cujo prefácio foi escrito por Ricardo Kotscho, “o repórter do século”. E ele escolheu “o jornalista mais premiado do Brasil”, fato este confirmado pelo ranking, divulgado em 2013, no portal Comunique-se. “Zé Hamilton Ribeiro quem é você?”, perguntou Arnon e a resposta veio em forma de verso: “Eu sou Zé de Santa Rosa, animal de pouca fama, tanto corro no seco, tanto que eu corro na lama, e quando o marido chega eu vou para debaixo da cama”.

Na sequência, José Hamilton fez questão de abordar o significado de seu retorno à UFSC. “Estou muito emocionado de estar aqui, pois no ano passado – na abertura da 16ª edição da Semana de Jornalismo -, em uma sala ao lado estava sendo velado o reitor Luiz Carlos Cancellier. A Universidade e a cidade estavam estarrecidas diante da brutalidade do abuso de forças, (…) que transformou um cientista, um homem do estudo, da academia, do dia para a noite, em algo inimaginável, de tal maneira constrangedora e absurda que o levou ao sacrifício. Retorno com muito prazer por que hoje nesta casa há uma trincheira da dignidade do cidadão, uma trincheira contra abuso de qualquer tipo. Exerça a sua função! dentro da lei, mas leve em conta sempre que o cidadão tem o direito à presunção da inocência e deve ser tratado sempre com dignidade, seja ele um reitor de universidade, seja ele um boia fria”. Após as afirmações, Zé Hamilton foi bastante aplaudido pela plateia.

“O que você acha que tem neste seu livro que valha a pena ler?” perguntou Zé a Arnon. O escritor enfatizou que “ao contar a história do jornalista José Hamilton, conta na verdade a história do jornalismo brasileiro de meio século para cá”, por quem testemunhou esse período. Traçou sua trajetória, o começo no jornal impresso – na época em que a Folha de São Paulo se modernizava -, nas revistas da Editora Abril – Realidade e Veja -, a passagem nos anos 70 pela Ditadura Militar. “O Zé, em plena ditadura, foi responsável por transformações significativas na imprensa do interior de São Paulo. E nos anos 80, o início na Rede Globo – Globo Repórter, Fantástico e, em 1981, Globo Rural -. “A biografia do José Hamilton Ribeiro é uma aula de jornalismo não só pelos momentos que vivenciou, mas por um estilo muito peculiar de fazer aquilo que é a alma do jornalismo – a reportagem – que mistura literatura, vivência, observação do ser humano e consegue relatar no papel aquilo que ele viu e não aquilo que ouviu”.

“Como você vê o jornalismo hoje”, questionou a professora Cárlida e Zé Hamilton respondeu: “Eu nunca vi uma crise na imprensa brasileira tão grave quanto esta, (…) que desequilibrou o modelo de negócios que permitia às empresas sobreviverem economicamente e fornecerem condições de fazer o jornalismo, na medida do possível, de alta qualidade e com as devidas proporções e as restrições de cada caso. Mas de qualquer maneira, o negócio do jornalismo era seguro e as empresas sobreviviam. Hoje não mais, o fechamento de jornais e revistas virou uma triste melodia que se repete”.

Para ele, a causa do problema foi a internet que “criou canais de informação diversos e foi empoderando o povo que, de repente, achou que não precisa mais do jornalista. Mas esta mesma causa é também a possibilidade da sobrevivência do jornalismo profissional. E veio acompanhado do fenômeno das Fake News, que sempre existiram, mas não na atual proporção. Isto de certa maneira, embaralha o entendimento do público sobre a forma de como apreender a realidade de sua cidade, do seu estado, do seu país, do mundo, porque o seu entendimento passou a ser sustentado por uma base falsa, não confirmada, sem credibilidade”.

Por outro lado, “a internet abre possibilidades”, argumentou o jornalista. “Hoje a imprensa e seus profissionais estão de certa maneira preocupados e buscando saídas para uma forma de sustentação da notícia” de tal maneira que se chegue a uma fórmula que garanta a sua veracidade. E enfatizou que a sociedade tem o direito e deve cobrar do meio que publicou a notícia falsa a responsabilidade civil e até mesmo criminal.

Para ele, a tecnologia está sendo o grande desafio das escolas de jornalismo e da sociedade. “De que forma, usando a internet, pode se criar condições de que a pessoa ao receber uma informação tenha capacidade de verificar a credibilidade e dispensá-la imediatamente ao perceber uma fraude, uma falsificação e, às vezes, um crime”, disse.

Indagado sobre a obrigatoriedade do diploma, Zé Hamilton acrescentou “que o jornalista exerce uma profissão com responsabilidade social, e por esta importância precisa de formação específica e também de vocação”. Argumentou que a lei do diploma foi cassada por voto monocrático de um juiz, “que com todo o seu saber não percebeu uma coisa fundamental e básica o exercício do jornalismo não tem nada a ver com a liberdade de expressão, a do cidadão é assegurada pelas associações de classe, pela sociedade civil e não depende de lei”.

Zé Hamilton também respondeu às perguntas do público, realizou algumas entrevistas e participou da sessão de autógrafos.

Antes do evento, José Hamilton participou de uma entrevista com a Agecom. Acompanhe:

Qual o segredo para se fazer um bom jornalismo científico?

Há dois pontos, o primeiro é gostar, do trabalho do cientista, de investigar a natureza, o ser humano, as leis do universo e, em segundo lugar, é preciso contar com as impaciências suficientes de ambos, cientista e jornalista, e no meu caso era vencer o poço de ignorância que eu apresentava diante dos assuntos. De um lado a humildade do jornalista em reconhecer a sua falta de conhecimento na área e também depender da paciência do cientista para explicar o que para ele pode ser óbvio, mas para o outro são descobertas.

Como se faz para manter um relacionamento de confiança com a fonte?

Eu acho que o cientista brasileiro, o responsável, o cidadão, tem uma certa angústia de não ver seu trabalho devidamente reconhecido; então quando o jornalista consegue passar para o pesquisador que o seu trabalho é sério, não deseja ofender ninguém, sem nenhum tipo de sensacionalismo, ocorre a cooperação da fonte, pois sem ela não existe o jornalismo científico. Portanto, esta confiança depende de uma troca, um alinhamento entre jornalista e cientista.

Qual a importância de se fazer divulgação científica na TV aberta?

Eu acho que a TV aberta tem dificuldade de fazer jornalismo científico porque é considerado de nicho, e ela tem certa repulsa a este tipo de programa. Para o profissional que gosta deste tipo de assunto é um desafio muito grande conseguir alavancá-lo. Dependerá do local em que trabalha e de um alto nível de compreensão. Na verdade, o veículo da divulgação científica são as TVs públicas e a escola, e deve-se arranjar uma fórmula de influenciar o jovem estudante a gostar mais da ciência através da pesquisa.

Como ser uma referência no jornalismo científico e literário em tempos de internet, de informação rápida e instantânea?

A resposta é fácil, é trabalhar com uma equipe, cuja coordenação ou chefia seja composta por jornalistas melhores do que você. Eu tive esta sorte na carreira. Quando eu comecei na Folha, o jornal, que era mais provinciano, estava crescendo a âmbito nacional, apostando muito na reportagem. Eu tive esta chance de estar naquele momento em que a empresa investiu na grande reportagem, na reportagem investigativa.

Depois eu fui para a Editora Abril que também começava a entrar no jornalismo, porque trabalhava com fotonovelas, historias em quadrinhos, revistas femininas e em certo momento, no seu desenvolvimento natural, passou a cuidar do jornalismo de interesse geral. Era uma empresa moderna que também investiu no jornalismo de reportagem, cujo resultado, no meu caso, foi a Realidade que se tornou, em pouco tempo de existência, a maior revista brasileira daquela época. Depois ela teve a sua decadência, dando origem à Veja.

Como eu já falei, eu tive a sorte de estar nessas empresas no momento em que apostaram no jornalismo, que é um produto caro, depende de infraestrutura, de tecnologia, e sobretudo de pessoas.

Qual a tua opinião do jornalista de hoje?

Eu estou com 60 anos de jornalismo de reportagem e nunca vi uma crise tão profunda. Há alguns dias, a Editora Abril, que foi a maior editora jornalística do Hemisfério Sul, fechou 10 revistas, demitindo 500 pessoas, entre elas mais de 200 jornalistas. Então o jornalismo está em crise, mas por outro lado, a crise é sempre uma possibilidade. Essa crise foi causada pela internet, que pode também ser a salvação, ainda não sei dizer de que forma. As universidades estão preocupadas com isso, de como se fará essa transição do jornalista tradicional, de carteira assinada, a um tipo de profissional com outra relação de trabalho que ainda não está definida. Um momento de crise, mas de transição, e acredito que irá se encontrar uma saída para o bom jornalismo.

O estilo literário te colocou como o jornalista mais premiado do Brasil, como foi o início nesta trajetória?

Esta qualidade literária que se buscava no texto era uma característica original da Revista Realidade, que apresentava em média 13 matérias, e todas proporcionava ao leitor o prazer da leitura, pois era bem escrita, com palavras certas, sem sensacionalismo, sem bravata, sem fanfarronice e uma linguagem a mais simples possível. Esta característica é obra do saudoso editor de texto Sergio de Souza. Ele conseguiu essa mágica de produzir uma revista com mais de 10 reportagens, cada uma de um autor diferente e estilo próprio, e todas de alto padrão de leitura e literário.

O Sérgio tinha essa qualidade, de transformar um texto pinçando palavras. Para ele cada sentença tem uma palavra-chave na frase, o que enriquecia o vocabulário do texto, sempre respeitando a marca do autor. O trabalho dele não aparecia, não tinha crédito, mas era a chave de um texto de leitura prazerosa e de qualidade literária.

Como que o Globo Rural conseguiu alavancar a divulgação científica no Brasil?

O Globo Rural é baseado na Agricultura, na Agropecuária e, sobretudo, no homem do campo. E um programa deste tipo depende de segurança de informação, que o jornalista só obtém nos institutos de pesquisa de alta qualidade como é o caso da Embrapa e de muitas universidades. São pesquisadores de alto nível que são acessados pelo programa e orientam o jornalista e a reportagem, e permitem aos comunicadores levar a pesquisa ao conhecimento do grande público. É desta forma simples que o programa, ao longo de mais de 30 anos, tem sua atuação no jornalismo científico reconhecida.

 

Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC

Fotos: Henrique Almeida/ Agecom/UFSC